[Leitura de luta] Uma noite ‘violenta’ em São Paulo

Se no papel o card equilibrado do UFC São Paulo prometia ação em estado bruto, na prática a coisa toda não decepcionou. Na disputa principal, Vitor Belfort voltou a impressionar com um chute, arma mais letal de seu jogo nos últimos anos, para colocar ponto final na trilogia contra Dan Henderson com sonoro nocaute. Quase todos os demais destaques ficaram por conta de lutadores nacionais. Destrinchemos, então, os melhores momentos.

De uma vez

MatureSameFlyEstava claro que a chave do sucesso para Vitor Belfort seria segurar o ímpeto inicial contra Dan Henderson (fato que vai de encontro às raízes mais instintivas do lutador carioca) para evitar brechas logo no começo do combate.

O começo mais cadenciado lembrou-me as atuações do brasileiro contra Matt Lindland, no extinto Affliction, ou mesmo contra Anderson Silva, no antológico UFC 126.

Ao melhor estilo ‘cheiro de sangue’, Belfort abusou do feeling para disparar um potente chute de esquerda e acertar em cheio o queixo de Hendo.

O grande potencializador da manobra foi o fato de o norte-americano tentar se antecipar ao perceber que seria golpeado e abaixar ligeiramente o tronco, indo de encontro à patada. O brasileiro aproveitou a deixa para explodir com socos de esquerda e seguir o castigo no solo até a interrupção do árbitro.

O novo KO via chute reforça estatística interessante para quem anos atrás quase ignorava este recurso técnico. A última vitória pela via rápida de Belfort sem usar as pernas aconteceu em 2011, contra o japonês Yoshihiro Akyiama.

E agora? Belfort x Machida ou Belfort x Anderson? Em termos mercadológicos para o Brasil– e mesmo como puro entretenimento – as duas fazem bastante sentido (enquanto é tempo).

Massa bruta

Patrick Cummings começou mais tático e dominando os clinches, mas logo partiu para as trocas mais francas, o erro mais crasso que poderia cometer contra um golpeador visceral do naipe de Glover Teixeira.

Com bons recursos para se desvencilhar de qualquer sufoco no grappling, o fiel da balança que fez diferença para o brasileiro foram overhands classudos de direita, sempre aplicados com leve deslocamento da perna da frente (da posição de luta) angulando para a esquerda e nos instantes em que o norte-americano ficava próximo das grades do octógono.

Foram estes golpes que iniciaram a maioria das sequências demolidoras alternando cruzados euppers da média para a curta distância, uma das marcas registradas mais fortes e frequentes do lutador mineiro.

Calcado em um wrestling/boxe bem adaptado ao biotipo, o padrão de movimentação de Cummings ainda é pobre e vai por água abaixo quando a coisa aperta.

Tanto que nos diversos momentos em que foi atingido mais severamente – inclusive na saraivada que definiu a fatura em favor do brasileiro – estava com os pés paralelos, totalmente desestabilizado e sem base ancorada que facilitasse alguma reação eficaz.

20-0

l41lKLXw1Bn870rZuThomas Almeida deu mais um passo importante rumo às cabeças dos pesos galos. Contra Anthony Birchak, mostrou dinâmica de golpes e sistema defensivo mais bem postado.

Talvez falte domar o senso de imediatismo, mas nenhum detalhe do tipo prejudica as atuações atleta paulista, que se mostra cada vez mais à vontade dentro do octógono.

O lance que definiu a vitória por nocaute contou com peculiaridade interessante. Thominhas começou a sequência com uma cotovelada giratória, que atingiu o adversário sem muita contundência.

Após o giro, ele ficou na posição de canhoto e trocou mais alguns golpes.

Mas no momento em que se reposicionou como destro soltou uma esquerda que se chocou com o direto de direita do adversário, desguarnecendo e criando imediatamente a abertura perfeita para conectar o forte direto de direita que desmantelou Birchak e ocasionou a cena embasbacante à la Machida x Evans.

Fora do eixo

3o85xCKw2QKecxt8QwMesmo depois de tanto tempo analisando combates e estilos, ver lutadores como Alex Cowboy em ação sempre causa a mistura de estranheza e curiosidade que enriquece o esporte.

Em uma linhagem técnica mais severa, muita coisa que o brasileiro desenvolve parece errado ou ter falhas. Mas o conjunto de habilidades é tão intenso e personalizado que funciona, e muito bem. No final das contas, isso é o que vale, certo?

Cowboy usa passadas e golpes alongados ao máximo, e com isso ainda abre diversas brechas. Mas conta com timing apurado de esquivas e movimentos evasivos que reforçam o poder de surpreender adversários a partir disso.

Contra o polonês Piotr Hallmann, ele usou jogo solto de entradas e saídas do raio de ação e confiou em uppercuts da média para a curta como principal golpe de carga.

Na base da raça, o brasileiro segurou as pontas para não ser dominado no solo na segunda etapa, quando o adversário achou o melhor meio de vencê-lo. No terceiro assalto, domou novamente a longa para a média distância e garantiu um nocaute limpo com habilidades do boxe.

Pendulou, acertou um cruzado, pendulou novamente (se livrando de dois ataques) e mandou o cruzado cabal direita, bem no queixo do oponente, que literalmente caiu duro.

Pela culatra

O russo executou diversos setups (preparos) de mãos e pés e sempre respondia com três ou quatro contragolpes precisos a cada tentativa de ataque do oponente, que insistia em golpes isolados e não achava um caminho convincente para tentar levar ao solo e usar as conhecidas virtudes no jiu-jitsu.Mesmo com os treinamentos intensivos no kickboxing holandês com o renomado treinador Henri Hooft, Gilbert Durinho não rendeu o esperado.

Foi Rashid Magomedov, adversário da vez do brasileiro, quem deu um show de combinações e volume de golpes eficientes e sobrou na disputa entre ambos.

Postado no centro do octógono, Magomedov frustrou Durinho nas duas primeiras parciais. Na terceira, passou a ser mais enxuto e pontuou mais os ataques, com destaque para os combos direto de direita/chute médio de esquerda, que foram suficientes para desenhar a vitória.

Azedo

Captura de Tela 2015-11-09 às 15.11.29Na disputa experiência x experiência da noite, Clay Guida curiosamente cometeu erro de iniciante – ou de striker menos iniciado no MMA – contra Thiago Tavares.

Frenético como de costume, o norte-americano mandou boa sequência de mãos e pés para complementar com a entrada de queda.

Mas expôs demais o pescoço e facilitou demais o trabalho de ser pego em um guilhotina justa.

Fato bastante negativo – e pra não dizer esquisito – para quem tem uma das maiores médias tentativa/acerto de quedas na história do UFC.