Junho de 2016. Michael Bisping é o novo campeão peso médio do maior evento de artes marciais mistas do planeta. Está surpreso? Eu também. Se o senso comum foi novamente brutalizado no posto mais alto até 84kg, na divisão dos galos Dominick Cruz segue o reinado à ‘passadas largas’ (sacou o duplo sentido?) Vamos logo então pinçar destaques do UFC 199 que, sem dúvida, foi um dos melhores eventos da organização nos últimos tempos.
Deu ruim
Os cruzados de direita (executados com a mão da frente da postura de luta) são fiéis da balança no repertório do canhoto Luke Rockhold.
Seja como início de ataques ou contragolpes, é uma das habilidades mais usadas por ele para amenizar o ângulo geral desajeitado quando enfrenta destros.
Isso configura uma arma simples, poderosa e com a capacidade de atingir o adversário fora do raio de visão, em virtude da posição ‘espelhada’.
Para facilitar a execução do golpe, o norte-americano adota a postura de luta com o tronco posicionado de forma mais lateral para ampliar o poder de envergadura, além de permitir deslizar rapidamente para frente ou para trás, conforme as circunstâncias.
Desta vez, porém, Rockhold estava muito mais displicente com a guarda durante os deslocamentos, principalmente quando saía do raio de ação.
Ao arriscar um soco com a direita e recuar, Bisping se antecipou o pegou no contrapé, com um direto no plexo seguido de um cruzado de esquerda por cima da guarda que o mandou para a lona pela primeira vez.
Mesmo aplicada por um destro, o desenho da técnica de punhos mais confiável de Rockhold voltou-se contra o próprio. Ironia técnica atestada, méritos de sobra para o inglês, que coroa a evolução tática e técnica recente com a vitória mais embasbacante dos últimos anos na categoria.
Pleno
Dominick Cruz estabelece nova dinâmica às condições de tempo e pressão na movimentação no MMA em cada atuação. O estilo customizado segue cheio de armadilhas e transcende fundamentos tradicionais, apostando em movimentos longos e mudanças de direção repentinas, quase sempre com golpes simultâneos às passadas, esquivas e cortes de ângulos.
A mecânica direta deste padrão consiste em caminhar inclinando o tronco sucessivamente e sempre em zigue-zague, como se quisesse unir o ombro direito com a ponta do joelho esquerdo e vice-versa. Com esse tipo de mudança constante de níveis (alturas), ele cria passadas que ‘cortam’ ângulos naturalmente para se aproximar, e raramente fica de frente para os adversários.
As alterações de um combate para outro são obra de puro talento. Urijah Faber ganhou mobilidade e dinâmica de luta nos últimos tempos, mas isso ainda limita-se aos momentos em que cerca ou estuda o oponente.
Na maioria das ações ofensivas e defensivas, o California Kid ainda comete os mesmos erros crassos de sempre, com entradas ‘secas’ e retilíneas demais. Ao bater de frente com senso de controle peculiar de Cruz, foi questão de tempo para o domínio se tornar completo.
O lance mais contundente veio no segundo assalto. O campeão se antecipou à uma investida e conseguiu knockdown com um overhand de esquerda bem ao estilo Dominator: aplicado simultaneamente à passada e com o braço esticado.
Pela falta de feeling em conduzir táticas mais básicas de contenção à oponentes evasivos – leia aí ‘cortes’ de ângulos seguidos de chutes pesados nas pernas e golpes de potência na linha de cintura -, pensei que Faber insistiria em alguma receita mais longa de clinches e uppercuts como base estratégica para trabalhar e ajustar melhor pegadas e estabilizações.
Mas nada feito. Em dado momento, Faber limitava- se a trocar de base e arriscar jabs para se desvencilhar da caça calculada pelo octógono. E foi só.
Mito
Dan Henderson suportou um primeiro assalto de sufoco total proporcionado por Hector Lombard. O cubano chegou ao extremo da dominância ao pegar um crucifixo, mas o veterano se desvencilhou e segurou as pontas com a raça de sempre.
No segundo assalto, Hendo jogou um chute alto a esmo, Lombard segurou a perna, mas ficou em um meio-termo confuso entre a pegada do muay thai e um single leg.
A manobra deixou Hendo com o tronco torcido, que usou o ‘efeito catapulta’ da situação para aplicar uma cotovelada reversa que acertou em cheio a têmpora e desligou o cubano na hora. Espontaneamente letal.
Campal
Ricardo Lamas e Max Holloway foi artilharia pesada e melhor luta da noite, na minha opinião.
O havaiano tem agregado potência e solidez ao famoso volume de golpes e envergadura avantajada para a categoria. Mais do que isso, mostrou sangue no olho. O GIF que o diga.
O destaque de Lamas foram os chutes altos. A assinatura desta vez foi a técnica expressiva em que abaixa a cabeça e o olhar para condicionar o adversário a se defender embaixo, mas dispara a patada alta. Finta clássica e que nunca perde a validade.