[Leitura de luta] Bisping, o Conde que virou Rei no UFC 199

Junho de 2016. Michael Bisping é o novo campeão peso médio do maior evento de artes marciais mistas do planeta. Está surpreso? Eu também. Se o senso comum foi novamente brutalizado no posto mais alto até 84kg, na divisão dos galos Dominick Cruz segue o reinado à ‘passadas largas’ (sacou o duplo sentido?) Vamos logo então pinçar destaques do UFC 199 que, sem dúvida, foi um dos melhores eventos da organização nos últimos tempos.

Deu ruim

1Os cruzados de direita (executados com a mão da frente da postura de luta) são fiéis da balança no repertório do canhoto Luke Rockhold.

Seja como início de ataques ou contragolpes, é uma das habilidades mais usadas por ele para amenizar o ângulo geral desajeitado quando enfrenta destros.

Isso configura uma arma simples, poderosa e com a capacidade de atingir o adversário fora do raio de visão, em virtude da posição ‘espelhada’.

Para facilitar a execução do golpe, o norte-americano adota a postura de luta com o tronco posicionado de forma mais lateral para ampliar o poder de envergadura, além de permitir deslizar rapidamente para frente ou para trás, conforme as circunstâncias.

2Desta vez, porém, Rockhold estava muito mais displicente com a guarda durante os deslocamentos, principalmente quando saía do raio de ação.

Ao arriscar um soco com a direita e recuar, Bisping se antecipou o pegou no contrapé, com um direto no plexo seguido de um cruzado de esquerda por cima da guarda que o mandou para a lona pela primeira vez.

Mesmo aplicada por um destro, o desenho da técnica de punhos mais confiável de Rockhold voltou-se contra o próprio. Ironia técnica atestada, méritos de sobra para o inglês, que coroa a evolução tática e técnica recente com a vitória mais embasbacante dos últimos anos na categoria.

Pleno

Dominick Cruz estabelece nova dinâmica às condições de tempo e pressão na movimentação no MMA em cada atuação. O estilo customizado segue cheio de armadilhas e transcende fundamentos tradicionais, apostando em movimentos longos e mudanças de direção repentinas, quase sempre com golpes simultâneos às passadas, esquivas e cortes de ângulos.

A mecânica direta deste padrão consiste em caminhar inclinando o tronco sucessivamente e sempre em zigue-zague, como se quisesse unir o ombro direito com a ponta do joelho esquerdo e vice-versa. Com esse tipo de mudança constante de níveis (alturas), ele cria passadas que ‘cortam’ ângulos naturalmente para se aproximar, e raramente fica de frente para os adversários.

ufc-199-highlights-watch-dominick-cruz-s-mastery-over-urijah-faber-1004271As alterações de um combate para outro são obra de puro talento. Urijah Faber ganhou mobilidade e dinâmica de luta nos últimos tempos, mas isso ainda limita-se aos momentos em que cerca ou estuda o oponente.

Na maioria das ações ofensivas e defensivas, o California Kid ainda comete os mesmos erros crassos de sempre, com entradas ‘secas’ e retilíneas demais. Ao bater de frente com senso de controle peculiar de Cruz, foi questão de tempo para o domínio se tornar completo.

O lance mais contundente veio no segundo assalto. O campeão se antecipou à uma investida e conseguiu knockdown com um overhand de esquerda bem ao estilo Dominator: aplicado simultaneamente à passada e com o braço esticado.

Pela falta de feeling em conduzir táticas mais básicas de contenção à oponentes evasivos – leia aí ‘cortes’ de ângulos seguidos de chutes pesados nas pernas e golpes de potência na linha de cintura -, pensei que Faber insistiria em alguma receita mais longa de clinches e uppercuts como base estratégica para trabalhar e ajustar melhor pegadas e estabilizações.

Mas nada feito. Em dado momento, Faber limitava- se a trocar de base e arriscar jabs para se desvencilhar da caça calculada pelo octógono. E foi só.

Mito

JealousEcstaticIguanaDan Henderson suportou um primeiro assalto de sufoco total proporcionado por Hector Lombard. O cubano chegou ao extremo da dominância ao pegar um crucifixo, mas o veterano se desvencilhou e segurou as pontas com a raça de sempre.

No segundo assalto, Hendo jogou um chute alto a esmo, Lombard segurou a perna, mas ficou em um meio-termo confuso entre a pegada do muay thai e um single leg.

A manobra deixou Hendo com o tronco torcido, que usou o ‘efeito catapulta’ da situação para aplicar uma cotovelada reversa que acertou em cheio a têmpora e desligou o cubano na hora. Espontaneamente letal.

Campal

IckyUnacceptableDogwoodclubgallRicardo Lamas e Max Holloway foi artilharia pesada e melhor luta da noite, na minha opinião.

O havaiano tem agregado potência e solidez ao famoso volume de golpes e envergadura avantajada para a categoria. Mais do que isso, mostrou sangue no olho. O GIF que o diga.

O destaque de Lamas foram os chutes altos. A assinatura desta vez foi a técnica expressiva em que abaixa a cabeça e o olhar para condicionar o adversário a se defender embaixo, mas dispara a patada alta. Finta clássica e que nunca perde a validade.

[Leitura de luta] Como Barão e Thomas Almeida caíram em Vegas

Os brasileiros que subiram ao octógono do UFC Fight Night 88 na noite de domingo, em Las Vegas, acabaram superados por representantes do Tio Sam.

Entre os destaques, Cody ‘No Love’ Garbrandt carimbou a primeira derrota no cartel até então impecável de Thomas Almeida e Renan Barão teve começo indigesto na jornada entre os penas frente ao potente Jeremy Stephens.

Como diz o clichê lutadorístico, ‘não há atalhos para a vitória, não há desculpas para a derrota’. Vamos analisar os destaques da vez.

Sem amor

Thomas Almeida é um lutador de fundamentos limpos em pé e com senso apurado para combinar mãos, pés, joelhos e cotovelos.

O volume de golpes não é apenas funcional, mas bastante contundente e do tipo que ganha em calibre conforme as sequências se estendem. O ‘problema’ é que no meio disso é inevitável ficar mais exposto.

Na colisão agressividade x agressividade da vez, o adversário trouxe um antídoto baseado em detalhes específicos – e cada vez mais necessários – para fazer a diferença.

UnequaledMildBufeo-size_restrictedO grande fiel da balança para o norte-americano foram as angulações precisas nos instantes de trocas mais intensas, facilitadas pela postura retilínea em demasia do brasileiro, que se limitou a cobrir o rosto com os antebraços, movimentando pouco a cabeça e cintura para tentar amenizar ou escapar da ofensiva contrária.

Com ênfase em aproveitar o lado esquerdo da guarda de Almeida com as bombas de direita características, o norte-americano usou golpes de carga bruta acertando a posição lateralmente, tirando o tronco e a cabeça da reta.

Isso configura uma ação defensiva/ofensiva única, já que a movimentação do tronco simultânea ao soco proporciona mais potência, e ao mesmo tempo ajuda a criar movimentos evasivos.

No lance cabal, Garbrandt acuou o oponente contra as grades com um direto e tentou um cruzado de esquerda com passo simultâneo (à la Dominick Cruz).

ezgif-696474181Daí aproveitou o embalo para angular para a esquerda, acertou o corpo e disparou um forte cruzado de direita em cheio.

O timing no ajuste da posição criou um contrapé/finta instantâneo que burlou o tempo de defesa do paulista. Foi fatal.

Feeling de luta geralmente sobressai à conduta tática. É o instinto mais primal e complexo de ser controlado nos esportes de combate, sobretudo em momentos com carga psicológica nas alturas e nível técnico parelho ao extremo. Existem acertos fantásticos e erros insanos dentro disso? Sempre. Thominhas desenvolveu uma fórmula que lhe rendeu 21 vitórias seguidas, algo que a ser sempre lembrado. Com a primeira derrota decretada, vem algumas lições e reflexões.

E conforme o nível competitivo sobe, a demanda por evoluções se torna cada vez mais necessária. Pode ser a hora certa para abrir a mente e apostar em intercâmbios para criar novos âmbitos que colaborem para reforçar o talento nato do atleta da Chuteboxe. Sempre faz bem.

Recomeço

A tática de Jeremy Stephens contra Renan Barão era declarada: fazer valer potência frente ao volume de golpes. O brasileiro fez bom primeiro assalto, obediente taticamente e com evolução técnica visível e traduzida em low kicks precisos e fintas, além de mudanças de base e de nível. Até mesmo a postura de luta estava modificada.

A partir da segunda parcial, forçar clinches e tentar quedas com mais afinco trouxe nova realidade para Barão. Acostumado a ser um peso galo grande, teve a primeira lição prática de que não será mais tão fácil assim contar com esse handicap na nova divisão.

Ele até conseguiu equiparar ações nessa situação contra um adversário (bem) maior fisicamente, mas teve de redobrar o esforço para isso. O desgaste bagunçou o senso de distância. Ele começou a projetar o tronco para frente de forma perigosa e telegrafada nas tentativas de diminuir a distância.

tumblr_o7z1de7aTg1rofocqo1_500Confiante nos uppercuts, Stephens então usou e abusou do recurso clássico do boxe para brecar essas entradas mais ‘secas’ do brasileiro. E o fez de duas formas: como golpe inicial, simplesmente ajustando a postura e soltando a bomba, ou angulando dentro do raio de ação para executar o soco.

O brasileiro absorveu bem o primeiro golpe do tipo que explodiu no queixo, mas sua expressão mudou na hora e ele ‘tirou o pé do acelerador’ de forma visível, passando a ter de lidar com outro ‘modo automático’ semelhante a do primeiro confronto com TJ Dillashaw.

O norte-americano passou então a dominar as trocas e crescer em volume de golpes frente a um adversário que responder aos ataques sem pressão por recuar demais e responder aos ataques sem pressão pelo fato de estar desequilibrado.

Stephens manteve-se preciso nas ações até o fim e mereceu a vitória. E Barão? Deve insistir na jornada entre os penas? Com alguns ajustes, pode ser que seja a melhor pedida. Veremos.

 

[Leitura de luta] Como o boxe olímpico tirou um cinturão do Brasil

O evento de gala do UFC em Curitiba cumpriu o que o card bem elaborado prometia: lutas parelhas, surpresas e estreias de peso. Cris Cyborg iniciou uma jornada que tem tudo para dar muito pano pra manga. Na atração principal, o cinturão dos pesados mudou de dono mais uma vez após um nocaute no primeiro round, e novos precedentes foram abertos.

Sem mais delongas, a seguir a olhada clínica em algumas das muitas assinaturas técnicas em destaque.

Precoce

IYB6XVb - ImgurNo main event, Fabrício Werdum começou a impor o ritmo variando chutes. Mas logo passou a caçar Stipe Miocic pelo octógono de forma aleatória.

Para ‘matar’ espaços rapidamente, usou uma técnica característica dos atletas da Kings MMA: avançar com troca de base e golpes.

A intenção é criar um fator-surpresa com passadas simultâneas aos socos, geralmente executados com os braços contrários às pernas que estão na frente para facilitar a mecânica e ganhar em contundência.

Versado no boxe olímpico, o norte-americano/croata mantém o feeling típico de antecipar ações dos oponentes com reações instantâneas, como manda um dos fundamentos mais peculiares desse estilo.

ReflectingGleamingAmazonparrot-size_restrictedMiocic mantinha-se ativo com variações de fintas aliadas à jabs e chutes por dentro da perna.

Nos momentos em que o brasileiro correu a seu encontro, manteve a postura e se afastou milimetricamente para sair do raio de ação.

Na terceira investida de Werdum – com golpes a esmo e bastante desequilibrado -, acompanhou o movimento contrário recuando algumas vezes até ancorar os pés na lona e disparar o cruzado de direita que desligou o gaúcho.

O novo rumo para o cinturão da categoria estava decretado.

Sobrou

16 - 2Cris Cyborg finalmente fez a estreia na organização e já deixou claro que é a cereja do bolo ideal para coroar evolução e expectativa das categorias femininas nos últimos anos.

A vitória ao melhor estilo ‘cheiro de sangue’ sobre Leslie Smithmostrou amadurecimento técnico mais que interessante da brasileira, com boas doses de agressividade polida traduzidas em cruzados ao invés de mãozadas e mais golpes com variações de níveis.

Basta dar um jeito na questão do peso para cair dentro de vez frente a adversárias mais parelhas.

Culatra

Em Warlley Alves x Bryan Barberena, o suposto favoritismo em massa do brasileiro caiu por terra com uma decisão apertada. O norte-americano é um canhoto clássico, e com isso carrega o poder de entortar destros tirando proveito da posição ‘espelhada’ da situação.

Para isso, evita perder o controle das distâncias tocando constantemente o punho da frente (da postura de luta) dos oponentes, abusa dos diretos de esquerda como golpes iniciais e usa chutes baixos com a perna da frente (da posição de luta) para criar volume ofensivo.

giphyUm dos prospects do país de maior potencial entre os meio-médios, o brasileiro é um golpeador visceral, técnico e preciso, mas que ainda cai nas tentações do imediatismo.

Isso foi a chave do cansaço precoce e consequente derrota, ainda mais contra um oponente tecnicamente inferior, mas também conhecido pela capacidade de suportar castigo e praticar táticas mais longas. Os golpes de confiança de Warlley eram chutes médios, que surtiam efeito até o gás começar a acabar.

Durante a luta, o que chamou atenção em Barberena foram detalhes típicos dos clinches do muay thai, que consistem em travar o adversário na frente do pescoço (ou rosto) com o antebraço, para daí deslizar cotoveladas curtíssimas com o mesmo braço que faz a pegada.

É uma técnica potencializada naturalmente devido à proximidade do alvo e o reflexo de encontro ou para trás que o oponente faz para aliviar a pressão.

Surpresa!

Patrick Cummins quis prolongar as trocas em pé contra Rogério Minotouro e desvirtuou, pra valer, a meada tática mais usual de seu estilo.

ezgif-2753651604O gringo mostrou evolução nesse sentido, mas sua parte em pé segue mais funcional do que propriamente eficiente quando usada de forma isolada e sem pretensões de facilitar o grappling. Foi um dos grandes enganos estratégicos da noite em Curitiba.

Muito mais confiante e coeso na movimentação do que nas últimas apresentações, o canhoto Minotouro iniciou a sonora vitória com um combo básico composto por direto de esquerda e cruzado de direita, uma das lições mais básicas – mas que nunca perde a validade – do poder monstruoso do impulso conseguido com a rotação da cintura, ombros e punhos no boxe.

O golpe explodiu no queixo e mudou na hora a expressão do rosto de Cummins. O castigo que veio na sequência culminou em um triunfo de peso para o veterano brasileiro.

Para fechar: Demian Maia segue grão-mestre especializado em fazer caras renomados parecerem iniciantes em um mundo predatoriamente competitivo quanto o do MMA atual. Hall da Fama do UFC pra ele em breve. Pode ser ainda na ativa como competidor. E pra ontem.

[Leitura de luta] Chutando alto nos Países Baixos, com Alistair Overeem

E o MMA dá nova mostra de que segue território farto e fértil para surpresas técnicas. Quem diria que um dos caras conhecidos pelo QI de luta duvidoso e vigor físico ‘customizado’ atualmente é um dos pesos-pesados mais dinâmicos e táticos da categoria.

Alistair Overeem provou novamente que qualquer um é capaz de se reinventar, basta encontrar um ‘Norte’ consistente e se dedicar ao máximo nesse sentido.

Ele nocauteou o bielorrusso Andrei Arlovski no segundo assalto do main event do UFC Roterdã, engatou a quarta vitória consecutiva e já desponta como um dos contenders diretos ao cinturão, que será colocado pra jogo neste final de semana na superedição que acontece emCuritiba.

Análises de alguns destaques a seguir.

Renovado

Como ressaltei no palpite deste evento no Sexto Round, Overeem não tem se importado em sacrificar performance em nome da estratégia desde que iniciou trabalho com a equipeJackson/Winkeljohn.

Se para muitos isso vai de encontro à essência como lutador, tem se mostrado a coisa mais providencial para brecar a irregularidade que por muito pouco não lhe custou o emprego há pouco tempo.

Nesta nova fase, Overeem tem apostado as fichas na movimentação ambidestra e postura com um dos braços esticados e o quadril mais jogado para trás.

UnripeDirectBaldeagle-size_restrictedTais fatores servem de base para dosar melhor o ritmo do combate com golpes mais pontuais e nem sempre são algo simples de ser adaptado para alguém criado no kickboxing ortodoxo.

O holandês tem colocado pra jogo um padrão calcado em entradas e saídas inteligentes do raio de ação, que cadencia bastante o ritmo e contradiz pra valer a equação ‘porradão + clinch + ground and pound’ vigente entre os pesados.

Outro detalhe que chama atenção está no foco dos contragolpes. Overeem constantemente chama os adversários a atacá-lo, recuando levemente e colocando uma passada lateral de imediato.

Isso o protege de um eventual ímpeto contrário, e ao mesmo tempo já o deixa pronto para aplicar alguma resposta. Esse tipo de atitude foi o que realmente confundiu o timing ofensivo de Junior Cigano no combate entre ambos, há alguns meses, e mais uma vez foi uma das assinaturas mais intensas do novo jogo do holandês.

Front-Kick-KOOvereem tem usado bastante os socos como setups(preparo) para seguir com clinches e joelhadas, ou empurrar adversários para chutar.

No lance derradeiro contra Arlovski, tirou da manga um chute frontal com salto (ou nidan tobi mae-gueri, no caratê) à la Machida x Couture.

O grande mote deste tipo de golpe está em saber usar a bola do pé adequadamente para ampliar o impacto, já que o torque do salto com a troca de pernas é usado para que a pernada acerte o queixo angulando debaixo para cima, dificultando bloqueios.

Como diria o senhor Miyagui: ‘se faz correto, não tem defesa’.

Mixando

UnkemptQueasyBear-size_restrictedO caratê deu novamente as caras no card com Gunnar Nelson.

De forma tradicionalista, com a base postada na lateral e as mãos baixas, o islandês quicou solto no tablado do octógono, tomando iniciativas com golpes mais isolados até alcançar momentos cabais para encurtar, clinchar e levar ao solo.

Como fazia uma luta de segurança (vinha de duas derrotas seguidas), priorizou bastante a luta agarrada a partir do segundo assalto para não dar tanta sopa ao azar.

Pauladas

SafeRawJoey-size_restrictedA local Germaine de Randamie provavelmente foi a representante mais pura do dutch kickboxingque pisou no cage da Holanda.

Com porte físico avantajado para a categoria e técnicas sólidas, passeou contra Anna Elmose, com destaque para a precisão e controle total nos clinches de muay thai. A ‘Iron Lady’ se mostrou pronta para testes mais severos. Olho nela.

O momento ‘vale o GIF’ da semana vem com mais um ‘double kick’ caprichado.

Chis Wade mandou ver a pedalada contra Rustam Khabilov e proporcionou um dos momentos mais plásticos do evento. Pena que não foi suficiente para livrá-lo da derrota por pontos no final.

[Leitura de luta] Jones faz o mínimo; Johnson o máximo

Jon Jones fez tecnicamente o mínimo e manteve o máximo de cautela para vencer Ovince St.Preux na luta principal do UFC 197, que marcou o retorno do ex-campeão dos meio-pesados após toda balbúrdia pessoal e profissional nos últimos tempos.

Mas se o evento principal causou alguns bocejos aos mais imediatistas, as outras promessas do card fizeram jus às expectativas.

Na disputa de título dos moscas, Demetrious Johnson detonou Henry Cejudo e frustrou ainda mais as esperanças de haver algum adversário que possa fazer frente à seu poderio técnico em curto prazo. Já Barboza x Pettis foi mais cérebro do que pernas.

Seguro

ezgif-1028602381Ovince St.Preux é um lutador de físico avantajado, que atua plantadão e varia bastante de postura. Aposta em golpes isolados, e em muitos deles ainda se desequilibra em virtude do peso corporal excessivo empregado em cada ataque.

Como de costume, Jones adotou a ambidestria como padrão de luta, tomando iniciativas quando destro e atuando mais como contragolpeador nos momentos de canhoto.

A estratégia para desgastar o adversário foi básica: angariar vantagens sem se expor em demasia, por meio de recursos que facilitam a manutenção de distância e aceleram o cansaço alheio, como pisões laterais e oblíquos nas pernas, além de chutes laterais e circulares no plexo.

Seja para criar uma barreira defensiva com um dos braços esticados, incomodar com under eover hooks nos clinches ou desenhar golpes inesperados com os cotovelos, o alcance de Jon Jones segue como um dos mitos mais intensos a serem superados no MMA moderno.

ezgif-2197650193Mesmo em noite menos inspirada e contra um oponente com envergadura também avantajada (2,01m), Bonesdominou com folga as ações nas três distâncias e tirou proveito de cada uma à sua maneira.

O grande ‘fator-sono’ foi justamente a opção de Jones se prender demais nas medidas de segurança para cadenciar o combate de acordo com o ritmo, mais lento, de St.Preux.

Sem tempo hábil para se preparar adequadamente, o haitiano/norte-americano já demonstrava cansaço no segundo assalto. Mesmo assim, conseguiu lampejos de reação, acertando o ex-campeão com alguns socos.

Jones sedimentou as vantagens com quedas pontuais nos assaltos finais e distribuiu alguns chutes de habilidade até garantir o resultado final por pontos. E que venha logo a revanche contra Daniel Cormier.

Intacto

Henry Cejudo pode ter credenciais de sobra no wrestling, mas faltou feeling para lidar com a malícia técnica dos thai clinches impostos por Demetrious Johnson.

O desafiante veio com a intenção clara de apostar nos chutes baixos para amenizar a velocidade frenética do adversário e teve relativo sucesso com isso nos instantes iniciais, e ainda conseguiu uma queda. Mas o campeão logo apertou o cerco e puxou para os clinchesusando a pegada combinada, conhecida em muitas escolas como 50/50.

LinearThriftyAfricanbushviperNela, ambos ficam em situação igual, com uma das mãos atrás da cabeça e a outra pousada sobre um dos braços, A partir daí começa a ‘esgrima’, que visa conseguir posições de dominância.

Johnson então variou ataques no corpo e cabeça para condicionar e confundir o oponente. Inicialmente, mandou joelhadas curtas com a direita nas costelas.

Quando Cejudo começou a se encolher e cedeu o mínimo de espaço, o campeão rapidamente deslocou a mão que estava sobre o bíceps para o pescoço, fazendo o ‘colar’ e executando um golpe com o joelho esquerdo no rosto simultâneo ao puxão da cabeça para baixo.

O desafiante sentiu, recuou e acabou atingido mais vezes até o nocaute técnico ser decretado. Brutal!

Lá e cá

Quem pensou que Edson Barboza x Anthony Pettis seria um festival de pernadas espetaculares acabou frustrado, mas apenas em parte. O combate esteve longe de ser ruim.

SevereConsciousGreatdaneMas as táticas de ambos visivelmente foram montadas de formas similares, com um esperando as tentativas de chutes do outro para aproveitar o timing e entrar com socos, pegando o adversário supostamente desequilibrado ou desguarnecido.

A intenção mútua modificou o senso que seria mais comum, deixando a luta muito mais tensa e presa aos detalhes.

Para lidar melhor com a movimentação multiangulada do adversário – Pettis avança e ataca com eficiência em ambos os lados – o brasileiro confiou nos cruzados de esquerda de forma metódica.

tumblr_o654lpWOab1u2ragso1_500Barboza variou o fundamento do boxe de duas maneiras: como golpe final para fechar uma sequência de dois socos retos, ou em contragolpe por cima dos cruzados e diretos de direita de Pettis.

Nas duas formas, o aproveitamento foi mais que satisfatório e fez a diferença.

Outro fundamento explorado pelo carioca foram os chutes na parte interna da perna. Barboza foi sistemático nas patadas baixas, após bloquear algum combo ou mesmo quando Pettis recuava.

No final, a coxa do Showtime parecia um carpaccio, e este cravou a terceira derrota consecutiva na organização.

tumblr_o6552vSWMp1u2ragso1_500Pedalada

O momento ‘vale o GIF’ da vez ficou por conta do mexicano Yair Rodriguez, que mais uma vez abusou da versatilidade e mandou um voleio na cara de Andre Fili.

Nocaute por ‘double kick’ para o habilidoso chicano, que carrega uma mistura especial de displicência e coragem sempre interessante de ser vista nos esportes de combate.

[Leitura de luta] A nova vítima de Glover ‘mão de pilão’

Mesmo com baixas importantes no card, o UFC on Fox 19 foi satisfatório no em assinaturas técnicas e teve combates interessantes em mais um final de semana recheado de eventos pelo mundo.

No encontro estilístico mais esperado da jornada, Glover Teixeira precisou de pouco mais de dois minutos para esparramar Rashad Evans na lona do octógono. Assim, garantiu o terceiro triunfo consecutivo e se reafirmou-se como um dos contenders mais duros entre os meio-pesados.

Como de costume, aquela olhada mais de perto nos destaques vem a seguir.

Letal

Na ponta do lápis, a principal expectativa era saber como o poder visceral de golpes de Glover se confrontaria com as manhas técnicas de Rashad. Como esperado, o norte-americano escaneou bastante opções e ângulos antes de cada ataque, usando e abusando de jabs, fintas e mudanças de nível (altura) para se tornar mais imprevisível.

Mas novamente, um velho cacoete atrapalhou. Mesmo com todo ‘calo’ de octógono, Rashad ainda fica atabalhoado quando o oponente propõe alguma blitz ou exerce pressão mais severa. Aí, começa a recuar de forma displicente e desequilibrada.

Tal falha no fundamento básico de movimentação já deve ter sido percebida e treinada para ser sanada por Henri Hooft e os demais profissionais que cuidam de seu strking.

giphyMas os famigerados ‘brancos técnicos’ ainda perseguem o norte-americano em momentos de grande pressão psicológica e técnica. O fato é predominante desde que foi horrivelmente nocauteado por Lyoto Machida, em 2009.

Um dos lutadores mais instintivos do esporte, Glover se impôs e logo fechou o cerco para aproveitar a inabilidade de Rashad com as costas contra as grades e testar as saídas do raio de ação do adversário. Na primeira chance, aproveitou uma escapada para a esquerda para aplicar um chute alto.

Muito se fala na potência boçal no punho direito do brasileiro, mas o cruzado de esquerda é seu golpe mais frequente e perigoso, sobretudo quando jogado após um direto. Trata-se de uma receita básica do pugilismo e que pode atrapalhar até os mais experientes.

Para os destros, os cruzados de esquerda são muito funcionais quando usados em combos pela possibilidade de ampliar alternativas de timing-surpresa. São golpes de muita velocidade e pouco telegrafados.

LinedFemaleHamadryadO norte-americano foi bem orientado e tevefeeling técnico para perceber isso. Tanto que o padrão de movimentação foi desenhado para ‘ganhar’ constantemente a esquerda de Glover, ou seja, ir de encontro ao golpes que vinham do lado direito, supostamente o mais forte.

Uma tentativa ousada, mas que não surtiu efeito.

Ao fechar o cerco mais uma vez, Rashad percorreu a grade inclinando demais o tronco. Ao tentar golpear sem uma base estável, acabou atingido por um direto, seguido de um cruzado de esquerda na ponta do queixo.

No momento em que tentou se levantar, ainda foi pego por um uppercut de direita. Fatal.

Fluido

giphy (1)Se nos bastidores Cub Swanson parecia um tanto desanimado para o desafio da vez, na prática desenvolveu jogo dinâmico e cheio de personalidade contra Hacran Dias.

Caracterizado por ser pontual, de combos enxutos e intenção de aproveitar as reações do adversário, esse estilo tem sido cada vez mais frequente nos atletas da equipe Jackson/Winkeljohn, e demanda alto grau de confiança.

Sanson já apostava em atuar desta maneira há algum tempo. Mas até então, ia melhor quando priorizava fundamentos mais básicos.

ImpressionableWeightyKawalaNo compromisso da vez, a maturidade técnica foi mais que satisfatória.

Houve espaço para alguns trejeitos à laDominick Cruz, com trocas de base constantes, jogadas de ombro acrescidas de passadas com socos, além de diretos longos aplicados no tórax e uppercuts imprevisíveis.

Os low kicks aplicados na panturrilha – outra assinatura do atleta – usados como golpe inicial para desequilibrar o oponente, também estiveram presentes, criando volume ofensivo peculiar e não dando chances para o brasileiro, perdido taticamente desde o começo.

Clássico

Beneil Dariush acabou derrotado no combate contra Michael Chiesa por finalização. Mas o iraniano mostrou uma variação de aplicação dos low kicks muito tradicional no kickboxing e muay thai, chamada por muitos treinadores de ‘corredor’.

Usada para ‘matar’ espaço de forma ativa frente a oponentes que recuam demais, consiste em jogar alguns golpes com os punhos, geralmente retos, acrescidos de passos, para em seguida disparar o chute na perna, deslocando a posição do corpo levemente para a diagonal, acertando com a canela e projetando do corpo para redobrar impulso e contundência.

[Leitura de luta] Júnior Cigano: o respeito voltou?

Após turbulências e diversas sobrancelhas levantadas nas atuações recentes, Júnior “Cigano” dos Santos brecou, por ora, as desconfianças e despachou Ben Rothwell por pontos no main event do Fight Night Croácia.

Com atuação coesa e consciente, o atleta catarinense mostrou evolução técnica dentro do próprio estilo e renovou o fôlego para empreitadas mais cascudas que podem vir pela frente em breve.

Coerente

giphyCigano adotou tática longa e escolheu de forma consciência os melhores golpes a serem usados para retardar o oponente durante cinco assaltos.

Ele ainda demonstrou certas ‘panes’ ao ser encurralado contra as grades – a defasagem técnica mais persistente – mas a falta de pujança e controle do adversário em tais situações evitaram maiores problemas nesse sentido.

Maior fisicamente, com handicap na envergadura e com potência de golpes visceral até a tampa, Rothwell tem o cacoete de lutar com os braços esticados praticamente o tempo todo, mantendo-os assim inclusive após os momentos em que golpeia no vazio.

Além da capacidade de criar um ‘medidor de distância’, esse tipo de postura também desenha uma barreira segura para atrapalhar as investidas contrárias, mas ao mesmo tempo cria aberturas perigosas na guarda.

Em momentos mais incisivos, Cigano teve feeling para desenvolver timing específico para lidar com isso.

giphy (1)Ele atacava o adversário de forma leve, esquivava, pendulava ou angulava o mínimo para não ser tocado e disparava algum golpe de carga. Um ‘beabá’ básico de três tempos do boxe usado de forma bem pensada em diversas ocasiões.

Marcas registradas intensas no estilo do brasileiro, os jabs e diretos no plexo tiveram papel fundamental e foram as técnicas mais frequentes do combate.

Desde o primeiro assalto, Cigano usou o recurso de forma metódica para aproveitar as brechas deixadas por Rothwell e criar alternativas ofensivas, com destaque para os overhands ou cruzados de esquerda que finalizavam o combo.

giphySocos retos na boca do estômago são técnicas seminais nas artes marciais em pé. De simples execução e por também serem eficazes para deter investidas, carregam a característica de ataque/defesa implícita.

Além de minar a resistência gradativamente, a natureza de mudança de nível (altura) também abre brechas e cria setups (preparos) que facilitam os ataques seguintes.

Quando usados dessa maneira, os golpes com os punhos ganham em solidez, são potencializados pela força acentuada e ‘seca’ da rotação do quadril proveniente da base ancorada ao solo conforme o lutador se abaixa para executar a manobra.

giphyA contrapartida fica por conta do risco dobrado no momento da execução, em virtude de o atleta ter de encurtar muito a distância e aproximar demais a cabeça, expondo aos contragolpes.

Conforme Rothwell reduziu a marcha ao ser atingido sucessivamente no tronco, Cigano variou mais nos golpes de carga bruta.

E aí os chutes também apareceram, com destaques para frontais e laterais que atingiram pesado o alvo e desnortearam o norte-americano.

Conclusão

Se a luta for de risco, atue com segurança. Parece óbvio, mas este é o senso comum que muitos atletas do UFC têm de adotar em situação de corda no pescoço. É o eterno dilema show x resultado.

O combate contra o norte-americano esteve longe de ser uma das atuações de gala que marcaram a trajetória de Cigano pela organização em outros tempos. Mas o fator ‘convincente’ deu o ar da graça e o recolocou no páreo para possíveis empreitadas mais cascudas.

Rothwell fez frente nos primeiros minutos, mas logo acionou o modo de sobrevivência e assistiu de (muito) perto o monólogo técnico e tático executado pelo outro lado. Seguro, Cigano colocou em prática um plano de ação condizente com as características do adversário.

Ele lutou menos afoito na ofensiva e mais prudente defensivamente. Era isso, justamente, o que se esperava do catarinense nos desafios importantes em que acabou dominado e severamente derrotado de anos atrás.

Mas como em todo esporte, no MMA o que vale é o momento. E a impressão deixada contra Ben Rothwell foi bastante satisfatória buscar novos – e altos – voos entre os pesados.

[Leitura de luta] Uriah Hall conseguirá aposentar o Spider?

Uriah Hall Spinning Head Kicks Adam Cella TUF 17
Após assombrar o TUF 17 com nocautes cinematográficos e receber o apelido de ‘Homem Ambulância’ em virtude disso, o jamaicano chegou a ser considerado um dos possíveis sucessores doSpider, mas as atuações irregulares que vieram a seguir esfriaram consideravelmente boa parte das ambições.

Com diversos ‘pontos a provar’ em ambos os lados, o desafio tem boas chances de não decepcionar até os mais exigentes. A seguir, a primeira olhada livre sobre detalhes e possibilidades.

Um só

O poder de definir com um único golpe é fator inerente aqui. A variação de chutes com grande poder de explosão muscular é o carro-chefe de Hall. A defasagem principal reside justamente em ter um QI de luta volúvel e que já o deixou na mão em momentos cruciais de desafios importantes.

dancedodgingTecnicamente mais comedido na fase atual, Anderson Silva segue um dos caras mais inventivos da historia do esporte, com capacidade instantânea de ler movimentos e trejeitos dos adversários e capitalizar em cima de erros mínimos.

A expectativa deve recair em apreciarmos uma batalha tática e mental (quase) na mesma medida, com predominância em pé e assinaturas técnicas intensas nas formas peculiares de controlar distâncias.

Hall tem movimentação solta de quadril e pernas, mas mantém o tronco praticamente reto o tempo todo, sem esquivar ou ‘ciscar’ com frequência.

Essa postura é usada por bons chutadores para ocultar intenções nesse sentido, mas por ser estática demais, pode transformá-lo em um alvo muito mais fácil de ser alcançado contra um adversário tão eficiente na média tentativa/acerto quanto o Spider.

Anderson explora como poucos os movimentos de rotação de ombros e cintura para potencializar socos ou amenizar os possíveis danos de ataques contrários.

24968151O ‘hand fighting’ – tocar a guarda do oponente com uma ou as duas mãos sucessivamente para buscar aberturas e alternativas ofensivas -, é o grande termômetro do estilo para controlar o alcance, potencializado pela versatilidade ímpar e físico longilíneo.

O fato de Hall raramente descambar para as trocas mais francas de golpes e pouco desenvolverclinches poderá criar uma distância mais confortável da média para a longa e facilitar as coisas para o brasileiro nesse sentido.

Se a medida cautelar mais direta contra lutadores que gostam de giratórios é fechar o cerco ou antever o golpe pelo tipo de postura ou rotação do quadril, o jamaicano tem colocado em prática com frequência uma técnica comum entre os atletas de taekwondo, que consiste em aplicar um giratório 180 graus com o adversário mais próximo ou pegá-lo de encontro no momento em que se aproxima.

hallEste tipo de manobra requer precisão acentuada no ‘coice’. O chute tem de ser executado de forma ascendente, com o salto mais ‘para cima’, criando assim o espaço ideal até que o calcanhar (ou a sola do pé) acerte o alvo.

Foi assim que iniciou o nocaute mais importante da carreira, contra Gegard Mousasi, no Fight Night Japão do ano passado.

A técnica pode ser providencial para surpreender caso o Spider chame a luta para o infight e fique com as costas contra as grades, como gosta de fazer para intimidar oponentes.

Conclusão

No último artigo que escrevi sobre Anderson Silva, propus que um dos segredos para a longevidade dentro das oito paredes seria vê-lo menos espalhafatoso e mais condizente com as condições físicas e técnicas de um lutador de 40 anos.

Claro que tudo tem de ser feito com bom senso para que se preserve a parte efetiva das malícias técnicas que o eternizaram um dos lutadores mais perigosos do mundo. Ao rever a atuação contra Bisping para escrever deste texto, o fato foi sintomático e prova viva de que isso se faz necessário.

Pra quem gosta de colisões de estilos, a luta contra Uriah Hall conta com curiosidades interessantes. No MMA, Anderson nunca enfrentou um kicker tão letal quanto o jamaicano, e terá de se esmerar para amenizar a vantagem considerável em atleticismo do adversário.

Quando está em um dia bom, o jamaicano exerce o dom do imprevisível com suas pernadas. Ele também gosta de responder chutes com chutes, criando timing e cadências diferenciadas com isso.

[Leitura de luta] Os ‘chutes pra que te quero’ de Pettis x Barboza

Dos muitos combates bombásticos programados para a temporada 2016 do UFC, Anthony Pettis x Edson Barboza salta aos olhos como um dos encontros técnicos mais interessantes. O desafio acontece na edição 197, em Las Vegas (EUA), dia 23/4. Para a felicidade geral da nação striker, teremos frente a frente dois dos chutadores mais implacáveis do esporte.

O objetivo deste artigo é abordar diferenças e semelhanças na arte das pernadas, o que configura o maior atrativo do encontro. Vamos nessa!

Precedentes

Como toda ação em um combate de MMA é passível de chegar ao grappling, é necessário ter cautela redobrada na aplicação dos chutes, sobretudo da média para a longa distância, a situação mais traiçoeira e passível de erros na modalidade.

Na prática, isso se desenvolve por meio de adaptações e detalhes de encaixe dos golpes, ângulo de ataques e setups (ações de preparo ou fintas).

Se há poucos anos era incomum apreciar habilidades mais apuradas no fundamento, atletas como Pettis e Barboza são linha de frente no grupo dos que quebram paradigmas e provam que patadas bem treinadas fazem muita diferença no mundo moderno das artes marciais mistas.

Anthony Pettis vs Gilbert Melendez (1)De forma abrangente, o estilo de chutar de ambos é um híbrido entre o taekwondo e o muay thai. Trazem a velocidade e elasticidade típicas da arte marcial coreana, agregada à contundência inerente do estilo tailandês.

O que chama atenção em Pettis logo de cara é que boa parte do padrão de movimentação é curto, ou seja, ele avança ou recua a partir de pequenos passos, sem deslocar quadril e joelhos em demasia para esconder mais as intenções de chutar, tornando-as menos telegrafadas.

Mesmo sem apostar em sequências de golpes extensas, Showtime conta com boas alternativas de socos como setups, angulando de forma simultânea aos ataques para, além de facilitar a entrada dos chutes, forçar bloqueios e coberturas (com os dois antebraços na frente do rosto) dos adversários, condicionando-os a se defender em um nível (altura) em particular, enquanto acerta algum golpe onde estiver desguarnecido.

tumblr_mh9kwusm9u1qhiqbvo1_400Esse conjunto de habilidades compõe a grande virtude no striking do norte-americano, que chuta de forma ‘seca’, ganhando potência mediante a explosão muscular das pernas e quadril apenas no momento em que o golpe atinge o alvo.

É como se fosse a famosa ‘chicotada’ típica do taekwondo, mas com intensidade reforçada devido ao uso de parte da canela para auxiliar no impacto.

Barboza desenvolve movimentação mais retilínea e tem um conjunto mais enxuto de setups. Os ‘bons e velhos’ jab/low kick, ou jab/direto/chute com a perna da frente (da postura de luta) comstep (rápida troca de base que engatilha o golpe) são constantes para afastar oponentes e criar espaço para o chute entrar.

1-2Trata-se de uma das receitas mais clássicas do kickboxing.

Os low kicks do carioca são outra assinatura ao melhor estilo ‘pedrada pura’. O curioso é que algumas vezes ele os aplica sem virar muito o pé de apoio (pivô) e em um ângulo mais reto, com intenção de ampliar velocidade e contundência.

Isso pode sacrificar técnica por potência de forma peculiar, mas é efetivo.

Barboza varia os chutes nas pernas executando-os após defender alguma sequência de socos – aproveitando algum desequilíbrio ou vacilo que o adversário tenha para se recompor do ataque -, ou mesmo de forma direta.

Chamativos

pettisninjaaa2_medium_mediumUma das grandes virtudes dos bons chutadores é poder usar e abusar de manobras personalizadas.

Pettis desponta nesse sentido como um dos caras mais inventivos do esporte.

Ele é o criador do ‘showtime kick’, pernada na qual escala a grade do cage para aplicar o golpe.

Edson Barboza Spinning Heel Kicks Terry Etim - UFC 142 (Multiple Angles)O handstand kick – chute com uma das mãos apoiada no solo e imortalizada no muay thai pela lenda Saenchai – é igualmente perigoso.

Menos mirabolante, a principal carta na manga de Barboza são os giratórios, como o antológico que transformou Terry Etim em estátua no UFC 142, em 2012.

A técnica de preparo mais usada pelo carioca nesse sentido é pressentir o ataque oposto, recuar meio passo e a partir daí aplicar o chute, ação que exige alto nível de feeling e velocidade de resposta.

Na mão

5A sina e ambição principal na vida de dez entre dez strikers é conseguir equiparar socos, chutes, joelhadas ou cotoveladas no mesmo grau de perícia.

No caso em questão, os golpes de punho desempenham papel dinâmico e mais secundário em ambos os lados. Por encurtar a distância com frequência para aplicar low kicks, o brasileiro usa bons jabs como ferramenta de contenção.

Um de seus principais cacoetes defensivos é disparar um cruzado ou overhand de direita sempre que pressionado. Pettis projeta socos de forma mais alongada, com preferência para golpes retos.

Conclusão

Não dá pra não se empolgar com tantas credenciais em pé envolvidas neste combate.

No chão, Pettis teoricamente leva boa vantagem sobre o brasileiro, mas seria uma judiação crer que o combate na horizontal seria o objetivo principal entre dois caras que não gostam de ser encurralados e são naturalmente dominantes em técnicas plasticamente letais.

Luta boa? Com certeza. Uma das melhores do ano? Tomara que sim

[Leitura de luta] Bem-vindo de volta ao planeta Terra, McGregor

Não há como negar que Conor McGregor é um cara corajoso. No UFC 196, ele colocou pra jogo a reputação crescente na organização em um combate duas categorias acima que atua, aceitou substituição de adversário duas semanas antes do compromisso sem se importar com peso, envergadura e outros handicaps desfavoráveis. Merece respeito.

O problema é que nos esportes de luta ousadia e soberba carregam semelhanças que caminham lado a lado, e o preço a ser pago caso as coisas não funcionem da maneira esperada pode ser alto.

Com três dias de camp, Nate Diaz acabou com a sequência de triunfos do irlandês e jogou um balde de água fria em seus planos mirabolantes de ‘abraçar o mundo’.

Um belo ‘tapa de Stockton’ sem luva de pelica.

Maior e menor

Como esperado, a base ofensiva de Diaz foi alongar bastante os golpes para dosar o ritmo, amenizar a velocidade do adversário e fazer valer o alcance superior.

Mas o domínio que o irlandês tem nas ações/reações em contragolpe pelo flanco esquerdo foi acentuado e diferencial durante os primeiros minutos.

giphyAs respostas para as iniciativas contrárias eram executadas por McGregor com diversas variações: após deslocamentos diagonais, esquivas, de forma simultânea ou em golpes de encontro.

De forma geral, o padrão de movimentação do europeu foi muito mais linear do que o costume.

Ele também teve bons momentos nesse sentido ao trabalhar por dentro do raio de ação, uma medida arriscada e que expõe mais, mas que figura como boa saída quando você é o cara menor em questão e não deve ficar dando mole na longa distância.

À exemplo do combate contra Marcus Brimage (último canhoto que havia enfrentado, na estreia pelo UFC), McGregor pendulou constantemente e mostrou bom faro para cair dentro comuppercuts e cruzados.

giphy (1)Mesmo liderando no volume, o poder de fogo do irlandês não surtiu o efeito desejado. A distorção da transferência de peso em cada movimento contribuiu para isso. Ele tinha de deslocar o centro de gravidade em demasia para alcançar o longilíneo adversário, e isso consequentemente afrouxou os melhores ataques.

Sem uma base ancorada para golpear, se desequilibrava quase o tempo todo nas manobras mais intensas. Trata-se de mecânica corporal pura.

Pense: você tem muito mais força ao jogar o braço de baixo para cima do que o contrário, certo?

Diaz manteve o estilo comedido, suportou o castigo inicial e passou a dominar a distância no segundo assalto, aplicando jabs e esperando o momento certo para ser incisivo.

Duas sequências básicas um/dois explodiram no queixo do irlandês e deram início à finalização que aconteceria pouco depois.

bloggif_56ddc4e35fcb4Conclusão: duas divisões de peso acima da que seu organismo está habituado há pelo menos três anos e sem contar com o ‘fator alcance’ como vantagem, McGregor se descaracterizou tecnicamente e ligou o modo de sobrevivência desde o começo contra Diaz.

Ele colocou potência excessiva em praticamente todas as ações de ataque, um dos instintos mais primais quando se tem pela frente um cara maior.

Isso se potencializou ainda mais pelo sucesso inicial do europeu em tentativa/acerto e o rosto cheio de sangue do oponente após ser atingido algumas vezes. Mas o senso de urgência pesou contra em poucos minutos e a distorção tática foi inevitável, traduzida em falta de dinâmica, cansaço e consequente derrota.

Mudou, de novo

No choque estilístico mais acentuado da noite, Miesha Tate foi cérebro puro para arrancar o cinturão Holly Holm.

giphy (2)Esta começou impondo o jogo característico baseado no poder dos diretos de esquerda e repleto de setups de socos que terminavam com chutes laterais para atestar volume e se manter distante da oponente.

Miesha manteve-se ‘gelada’ para encontrar as melhores brechas. No segundo assalto, clinchou e levou ao solo, pegou as costas e conseguiu o mata-leão. Holly se livrou por não desistir do controle de pulso para amenizar a pressão.

Miesha esperou até o fim do último round para conseguir uma nova queda e tentar novo estrangulamento pelas costas.

Holly levantou e tentou capotar, que manteve os gancho com o pé direito bem atado dentro das perna da adversária para não se soltar. Ela acompanhou o embalo do movimento para atingir a lona do octógono com a posição de vantagem segura e faturar a vitória.

Jiu-jitsu neles, mais uma vez!

Coisa feia

bloggif_56ddc9111ba82Em Erick Silva x Nordine Taleb, tivemos mais uma lição de como responder a uma atitude cretina e sem esportividade.

Em dado momento, o brasileiro esticou o punho para cumprimentar o adversário e imediatamente transformou isso em um soco para tentar pegá-lo desprevenido.

Pouco depois, Taleb mandou a resposta com um direto em cheio na fronte, após contragolpear um chute frontal desferido com a guarda totalmente baixa.

Dos brasileiros

giphy (3)O momento “vale o GIF” da semana vai para Vitor Miranda, que enfrentou Marcelo Guimarães.

Após cotoveladas no clinch, abalou o adversário com um ‘brazilian kick’, uma variação do chute circular clássico na qual a perna faz um arco para ‘driblar’ a guarda do oponente se for o caso, e atingir com o peito do pé de cima para baixo.

Rara ainda no MMA, a técnica recebeu esse nome após ser difundida por brasileiros como Ademir da Costa, Glaube Feitosa e Francisco Filhoem competições de caratê kyokushin e no K-1.